Pesquisadores americanos desenvolvem tratamento para queimaduras na córnea com células-tronco do próprio paciente

Pesquisadores americanos desenvolvem tratamento para queimaduras na córnea com células-tronco do próprio paciente

Queimaduras oculares estão sendo tratadas com enxertos obtidos a partir de células-tronco do próprio paciente. Na primeira fase do estudo, realizado em um instituto especializado de Boston, nos EUA, quatro pacientes receberam o tratamento e a segurança da técnica foi confirmada. Os pesquisadores pretendem agora fazer o procedimento em um número maior de pacientes e avaliar sua eficácia. Será avaliado se o uso desta técnica leva a uma visão melhorada por si só ou se ela servirá como um pré-tratamento, permitindo o transplante posterior de córnea.

Vimos anteriormente aqui no blog que células-tronco de diversas fontes vêm sendo estudadas para o tratamento de deficiências visuais. As células-tronco podem regenerar ou substituir células do olho afetadas por diferentes patologias ou traumas. O olho humano possui várias reservas de células-tronco e uma possibilidade é utilizar essas células que já estão naturalmente presentes a fim de reparar lesões. O Holoclar, por exemplo, é um produto de terapia avançada já aprovado para comercialização na Europa para o tratamento de cegueira causada por queimaduras oculares físicas ou químicas. A substância ativa do Holoclar são as células límbicas do próprio paciente, que incluem células da superfície da córnea e células-tronco da região do limbo ocular

Nos Estados Unidos, cientistas também estão buscando desenvolver produtos similares ao Holoclar que, por enquanto só tem aprovação na Europa. É nisso que vêm trabalhando os médicos e pesquisadores do Massachusetts Eye and Ear, hospital localizado em Boston, especializado nas áreas de oftalmologia e otorrinolaringologia. 

Os pesquisadores substituíram a superfície ocular de quatro pacientes que sofreram queimaduras químicas em um dos olhos usando suas próprias células-tronco retiradas do outro olho saudável, em uma técnica conhecida como “transplante de células epiteliais límbicas autólogas cultivadas” (ou CALEC, do inglês cultivated autologous limbal epithelial cell transplantation). Esses quatro casos, todos parte de um ensaio clínico em andamento apoiado pelo National Eye Institute, representam os primeiros procedimentos desse tipo a ocorrer nos Estados Unidos.

A técnica CALEC consiste na realização de uma pequena biópsia contendo células-tronco do tecido límbico do olho saudável ​​do paciente, sua expansão em laboratório e cultivo sobre um substrato na forma de membrana. Quando as células crescem ao ponto de cobrir a membrana, o enxerto está pronto para transplante. O cirurgião remove primeiramente o tecido cicatricial da córnea e então realiza o procedimento. 

O processo de isolamento, cultivo e preparação de células-tronco límbicas para transplante foi desenvolvido em colaboração com pesquisadores do Hospital Infantil de Boston. O processo de fabricação é realizado em um ambiente de sala limpa, com condições controladas para manter a esterilidade do produto. Todo o processo leva aproximadamente 3 semanas antes que o enxerto de células-tronco límbicas esteja pronto para ser enviado para a sala de cirurgia.

Ao todo, quatro pacientes receberam o tratamento CALEC. Três pacientes receberam um transplante após a primeira biópsia. Um paciente não desenvolveu células suficientes na primeira tentativa de biópsia, mas foi submetido a uma segunda biópsia, que teve sucesso no cultivo de células suficientes para um transplante. As células de um paciente adicional inscrito nesta fase do estudo não cresceram bem o suficiente para serem submetidas ao procedimento de enxerto. Os quatro pacientes que receberam o tratamento CALEC não sentiram mais dor devido às lesões químicas iniciais logo após os procedimentos de enxerto da membrana na córnea. Esses pacientes continuarão a ser acompanhados por um longo prazo para monitorar seu progresso.

Agora que a viabilidade da técnica foi estabelecida sem preocupações imediatas de segurança, os pesquisadores começaram a recrutar mais pacientes com danos na córnea para uma segunda fase do estudo, que continuará até 2021 e avaliará a eficácia do tratamento. Nessa etapa futura, será avaliado se o CALEC leva a uma visão melhorada por si só ou se servirá como um pré-tratamento, permitindo o transplante posterior de córnea.

A córnea é a camada mais externa do olho responsável por manter uma superfície lisa para a visão normal. No procedimento de enxertia pela técnica CALEC, o cirurgião retira células-tronco do limbo, a borda externa da córnea, onde um grande volume de células-tronco reside em olhos saudáveis. As células-tronco límbicas ajudam a manter a barreira entre a córnea e a conjuntiva, as áreas brancas nas laterais do olho. Em pacientes com queimaduras químicas no olho, a área límbica costuma ser prejudicada a ponto de não poder mais ser criadas novas células por conta própria. A deficiência de células-tronco límbicas também pode ser causada por infecções, complicações de lentes de contato e várias outras condições.

Além da perda de visão, os pacientes com queimaduras oculares químicas costumam sentir dor e desconforto no olho afetado. As estratégias de tratamento atuais incluem o transplante de uma córnea artificial, que apresenta risco de infecção e desenvolvimento de glaucoma, ou a técnica de enxerto autólogo de limbo conjuntival (CLAU, do inglês conjunctival limbal autograft), que em comparação com CALEC, envolve a retirada de uma porção maior de células da cicatriz.

O objetivo do transplante de células-tronco límbicas, como CALEC e CLAU, é reconstruir uma superfície saudável para o olho danificado usando células do outro olho, evitando o uso de tecido de doador; portanto, ele só pode ajudar pacientes com deficiência de células-tronco límbicas em um dos olhos. Depois que uma superfície saudável foi restaurada, esses pacientes podem receber transplantes de córnea convencionais – um resultado que não seria possível antes do transplante de células-tronco, porque as células-tronco límbicas são necessárias para sustentar o tecido córneo transplantado. Os pesquisadores esperam que alguns pacientes não precisem de transplantes de córnea e possam experimentar a restauração da visão e da superfície ocular apenas com CALEC.

A técnica não traz o risco de rejeição como alguns outros procedimentos porque as células são retiradas do próprio corpo do paciente. Consequentemente, os pacientes que recebem CALEC e CLAU não precisam tomar medicamentos imunossupressores. Além disso, o CALEC pode ser vantajoso em relação ao CLAU, pois apenas uma pequena biópsia do olho do doador é necessária, reduzindo o risco para o olho saudável.

Segundo o Dr. Joan W. Miller, chefe de oftalmologia do Mass Eye and Ear, “esses primeiros casos mostram uma grande promessa de uma opção segura de tratamento para pessoas que perderam a visão devido a queimaduras químicas e infecções da córnea”. 

 

Para saber mais sobre o uso de células-tronco para o tratamento de doenças do olho, acesse este link.

 

Referência

Doctors rebuild damaged corneas using patients’ own stem cells for first time in US: https://medicalxpress.com/news/2020-09-doctors-rebuild-corneas-patients-stem.html


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