Um novo tipo de remédio: células [parte II]

Um novo tipo de remédio: células [parte II]

Parte II – Terapia Celular CAR-T

Promessa: Combater até os tipos mais complexos de câncer

Como funciona: Ativa o sistema imune do próprio paciente, contra o tumor

Onde estamos: Testado em humanos, ainda não aprovado para comercialização.

Os​ ​desafios​ ​do​ ​câncer
Uma das principais razões por que é tão difícil combater os diversos tipos de câncer é a dificuldade em reconhecer e atacar só as células tumorais, sem afetar os tecidos saudáveis. Os tratamentos tradicionais para o câncer – cirurgia, radioterapia e quimioterapia – são efetivos em muitos casos, mas não discriminam muito bem entre células tumorais e células normais. Uma abordagem mais recente são as terapias dirigidas, que utilizam drogas que reconhecem tumores específicos. Um exemplo é o trastuzumab, um medicamento que ataca apenas células de câncer de mama, mas não as células saudáveis do mesmo paciente.

Essa abordagem melhorou, e muito, a taxa de sobrevida de pessoas com vários tipos de câncer. Infelizmente, esse tipo de medicamento só está disponível para alguns subtipos de
câncer e, em certos casos, o tumor desenvolve resistência ao tratamento com o passar do
tempo. O tratamento ideal seria aquele que identificaria as células doentes com precisão,
atacaria de modo agressivo e prolongado apenas essas células, e agiria por diferentes
mecanismos simultaneamente para evitar o surgimento de resistência.

Felizmente, nós já nascemos com esse tratamento: ele se chama sistema imune. Nossas células imunes, incluindo um grupo de células chamadas linfócitos T, são especialistas em identificar e combater tumores, infecções ou qualquer outra ameaça à nossa saúde. Nossos linfócitos, quando funcionam bem, são uma máquina extraordinária: agressivos e precisos ao mesmo tempo. O problema é quando eles não funcionam tão bem; nem sempre os linfócitos
percebem que tem algo errado, pois o câncer costuma ser um perito em camuflagem e evasão.

Cientistas então tiveram a seguinte ideia: e se a gente “treinasse” os linfócitos T para identificar o câncer? Eis a terapia celular CAR-T, também chamada de células T CAR. CAR é a sigla para receptor quimérico de antígeno (chimeric antigen receptor, em inglês), que é o segredo para a funcionamento dessas células.

Como​ ​a​ ​terapia​ ​celular​ ​CAR-T​ ​funciona?
O tratamento utiliza um “remédio vivo”, as próprias células imunes do paciente. A terapia funciona da seguinte maneira: primeiro, linfócitos T são coletados do sangue do paciente. Em seguida, esses linfócitos são transportados para o laboratório e modificados geneticamente para produzir os tais receptores quiméricos, que irão reconhecer proteínas (antígenos) presentes na superfície das células tumorais. Quimérico quer dizer que esse receptor foi engenheirado geneticamente, combinando partes de diferentes origens (as quimeras eram monstros híbridos, compostos por partes de diferentes animais, na mitologia grega – daí o nome). Os linfócitos modificados em laboratório são multiplicados até se obter bilhões dessas células. Em seguida, são injetados no paciente, que agora possui um exército de células T “treinadas” para identificar e atacar o tumor.

Terapia​ ​celular​ ​CAR-T:​ ​onde​ ​estamos?
As primeiras terapias foram aprovadas nos EUA este ano. Kymriah (tisagenlecleucel), produzida pela Novartis, trata Leucemia Linfoide Aguda (LLA) do tipo B, uma forma de leucemia juvenil. Yescarta (axicabtagene ciloleucel), desenvolvida pela Kite Pharma (hoje parte da Gilead Sciences), trata certos tipos de linfoma não-Hodgkin em adultos.

Riscos​ ​da​ ​terapia​ ​celular​ ​CAR-T
O principal perigo relacionado à terapia celular CAR-T é justamente a sua capacidade de ativar o sistema imune. Em alguns casos, os pacientes desenvolvem uma reação imune muito intensa e potencialmente fatal, chamada de tempestade de citocina. Houve também relatos de desenvolvimento de reações auto-imunes agudas (quando os linfócitos modificados atacam tecidos saudáveis) e o aparecimento de doenças autoimunes crônicas, como artrite
reumatoide. Mais estudos de longa duração são necessários para esclarecer completamente
os riscos da terapia CAR-T.

[NOTA: este artigo foi atualizado dia 15 de novembro para incluir a aprovação das primeiras
terapias CAR-T nos EUA]


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