Um novo tipo de remédio: células

Um novo tipo de remédio: células

Terapia celular e regeneração tecidual já são realidade. Essa série de posts vai explorar os benefícios – e os desafios – de usar remédios que estão… vivos.

Ir à farmácia é um programa tão rotineiro que talvez ninguém olhe para elas com a admiração de quem vê um grande triunfo científico da humanidade. E, mais do que isso, um triunfo recente. A medicina avançou tanto desde o início do século 20 que é quase impossível imaginar um mundo onde não existe antibiótico, antiinflamatório, insulina ou campanha de vacinação. E, no entanto, essa era a realidade do mundo poucas gerações atrás.

Daqui algumas décadas, nossos descendentes vão ter a mesma dificuldade em imaginar um mundo onde tecidos e órgãos lesionados não podiam ser regenerados, e as pessoas conviviam com graves doenças crônicas e suas consequências ao longo de toda a vida. Nós estamos tão acostumados com o estado atual da farmacologia que não nos damos conta do quão incrível é o que temos hoje nas prateleiras das farmácias – e ao mesmo tempo, quão limitado.

Ao longo do século 20, a medicina desenvolveu métodos para descobrir e sintetizar inúmeros compostos químicos e biológicos. Esses compostos costumam estar presentes na natureza em quantidades muito limitadas, e se tornam realmente acessíveis quando passam a ser sintetizados artificialmente, em grande escala e a preço reduzido. Alguns desses medicamentos são sintetizados quimicamente, como a aspirina. Outros são complexas moléculas biológicas que precisam ser sintetizadas por células, como a insulina.

Medicamentos, químicos e biológicos, são um dos fatores que permitiu que a nossa expectativa de vida aumentasse drasticamente: em 1900 ela era de 33,7 anos! Em comparação, um brasileiro nascido hoje pode esperar viver até os 75. Ganhamos quarenta anos a mais de vida em pouco mais de um século! No entanto, esses medicamentos têm limites: frequentemente eles tratam sintomas, mas não são a cura para a doença em questão. Nós vivemos mais, mas nossa qualidade de vida sofre com doenças cardiovasculares, neurodegenerativas, osteoarticulares, entre um grande número de outras patologias crônicas.

Outras vezes o problema é que a doença é muito difícil de tratar com os tipos de medicamentos que temos hoje. É o caso do câncer: é muito, muito difícil eliminar as células tumorais ao mesmo tempo que se poupa as saudáveis. Existem duas razões principais para isso: primeiro, nosso corpo é treinado para não atacar a si próprio; segundo, células saudáveis e tumorais são iguais em quase tudo. Como resultado, os tratamentos atuais têm efeitos colaterais graves – e isso é culpa do efeito indesejado que eles têm nas células saudáveis.

É aí que entra um novo tipo de remédio: células. Nesse caso, o medicamento não é um produto de uma célula, mas a própria célula. Na verdade, milhares ou milhões delas. E essas células podem fazer coisas realmente incríveis: elas podem substituir partes do nosso corpo que não funcionam bem ou que pararam de funcionar completamente. Por isso, células, incluindo células-tronco, podem oferecer algo que ainda não existe para muitas doenças: a cura.

Nos próximos posts, vamos explorar as terapias celulares que já foram aprovadas, começando com o que há de mais novo no tratamento do câncer: células imunes “treinadas” em laboratório para encontrar e eliminar tumores.


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