Por que células-tronco pluripotentes induzidas podem sofrer rejeição pelo sistema imune?

Por que células-tronco pluripotentes induzidas podem sofrer rejeição pelo sistema imune?

As células-tronco pluripotentes induzidas são muito estudadas para algumas aplicações em que seriam usadas células do próprio paciente, como produção de tecidos e órgãos artificiais para transplantes. Apesar disso, ao contrário do que se imaginava inicialmente, elas podem provocar uma resposta do sistema imune. As razões para essa rejeição são pouco conhecidas, mas um estudo recente publicado na revista Nature Biotechnology apresenta evidências a respeito dos mecanismos envolvidos e propõe formas de contornar esse problema.

As células-tronco pluripotentes induzidas despertam bastante interesse por terem potencial de diferenciação celular semelhante ao potencial de diferenciação de células-tronco embrionárias. Isso significa que elas podem dar origem a todos os tipos de células que formam os tecidos e órgãos dos organismos adultos. Elas têm, também, alto potencial para serem multiplicadas em laboratório, podendo gerar um número suficiente de células para formar tecidos e até mesmo órgãos artificiais para transplantes. O fato de, além disso, ser possível criar essas células a partir de tecidos adultos obtidos com o uso de procedimentos relativamente simples, como uma biópsia de pele ou amostra de urina, as torna muito interessantes para aplicações terapêuticas.

Existem, no entanto, desafios relacionados ao desenvolvimento de terapias seguras e eficazes utilizando essas células. Um dos desafios mais importantes pode parecer surpreendente, tendo em vista que as aplicações mais estudadas são autólogas, em que as células transplantadas são produzidas a partir de amostras de tecidos do próprio paciente: rejeição pelo sistema imune. Nós já mencionamos aqui no blog essa possibilidade de rejeição pelo sistema imune com o uso autólogo de células-tronco pluripotentes induzidas e do uso de técnicas de edição genética como uma solução para evitar o reconhecimento de células transplantadas pelo sistema imune, criando células doadoras universais. 

Um grupo de pesquisadores liderados pelo Prof. Tobias Deuse, da Universidade da Califórnia, publicou recentemente um estudo em que discutem por que células-tronco produzidas a partir de tecidos do próprio paciente podem ser, algumas vezes, reconhecidas como elementos estranhos ao organismo e atacadas pelo sistema imune. Apesar de essas células possuírem os mesmos antígenos (proteínas na superfície das células) que o paciente, o que faria com que elas fossem reconhecidas como células próprias e aceitas pelo sistema imune, o surgimento de neo-antígenos pode explicar a rejeição em alguns casos. 

Neo-antígenos podem passar a ser expressos nas células a partir de novas mutações que ocorrem durante o processo de reprogramação celular para gerar as células-tronco pluripotentes induzidas. Essas mutações são alterações na sequência de DNA, que levam à produção de proteínas diferentes pela célula. 

Nas nossas células, o DNA está presente em duas estruturas: no núcleo celular e nas mitocôndrias. A maior parte do DNA está presente no núcleo, que contém mais de 20 mil genes codificadores de proteínas, enquanto as mitocôndrias contêm apenas 13 genes codificadores de proteínas. No entanto, em condições fisiológicas normais, o DNA das mitocôndrias está de 10 a 20 vezes mais propenso a sofrer uma mutação.  Além disso, em células com alta demanda de energia, como células musculares cardíacas, até um terço das moléculas de mRNA produtoras de proteínas são de origem mitocondrial, o que indica que mutações nesses genes podem ter um efeito significativo. O processo de reprogramação celular é altamente mutagênico e, considerando-se que as mitocôndrias não possuem um sistema de reparo do DNA, apenas o reconhecimento pelo sistema imune pode eliminar células alteradas. 

De fato, os pesquisadores demonstraram que mutações nas mitocôndrias podem desencadear uma resposta do sistema imune, transplantando em camundongos células-tronco que tinham apenas uma base diferente em dois genes do DNA mitocondrial. Alguns dias depois do transplante, eles coletaram células imunes dos camundongos e verificaram que as únicas proteínas que desencadeavam uma resposta eram aquelas produzidas pelos dois genes mitocondriais diferentes. Para testar essa hipótese em seres humanos, os investigadores recrutaram pacientes de transplante de fígado e de rim, analisaram o genoma mitocondrial dos doadores e dos pacientes e, posteriormente, isolaram células imunes de cada paciente transplantado, verificando o mesmo resultado: as células imunes dos pacientes respondiam apenas às proteínas mitocondriais diferentes que eram originárias do doador. 

As células-tronco pluripotentes induzidas são produzidas em laboratório e, portanto, células que sofrem uma mutação do DNA mitocondrial não têm nenhum mecanismo de reparação, pois não estão sujeitas à vigilância do sistema imune. Dessa forma, quanto mais tempo as células forem mantidas em cultura, maior a chance de surgirem novas mutações e de as mutações serem amplificadas conforme as células se multiplicam, aumentando a probabilidade de que as células-tronco pluripotentes induzidas sejam rejeitadas quando forem transplantadas. 

Para resolver essa limitação, além da criação de células doadoras universais que sejam invisíveis ao sistema imune, é possível sequenciar o DNA mitocondrial das células antes de realizar o transplante para avaliar a sua compatibilidade com o sistema imune do paciente. 

Referências:

Deuse T et al. De novo mutations in mitochondrial DNA of iPSCs produce immunogenic neoepitotes in mice and humans. Nature Biotechnology. 2019.

Deuse, Tobias. Stem cells could regenerate organs – but only if the body won’t reject them. The Conversation. 2019.


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