Texto normativo aprovado recentemente pela Anvisa permitirá ao Brasil desenvolver e registrar produtos a partir de células e genes humanos, os chamados produtos de terapias avançadas, trazendo grandes benefícios a pacientes que sofrem com doenças graves e sem alternativas médicas disponíveis.
Em 2018, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou duas resoluções que marcaram o início dos avanços para terapias celulares no Brasil: a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 214/2018, que dispõe sobre boas práticas em células humanas para uso terapêutico e em pesquisa clínica, e a RDC 260/2018, que regulamenta a realização de ensaios clínicos com produtos de terapias avançadas. A partir da publicação da RDC 260/2018, qualquer pesquisa com produtos de terapias avançadas envolvendo seres humanos deve ser previamente analisada e aprovada pela Anvisa.
Em 2019, a proposta de RDC para registro de produtos de terapias avançadas, com requisitos mínimos para o registro, condições de dispensa em casos específicos e definição de prazos para análise e priorização, foi colocada em Consulta Pública (CP 706/2019). Durante 45 dias (de 4/9 a 18/10), a sociedade teve a oportunidade de participar da construção da norma regulatória. Então, há exatamente um mês, no dia 18 de fevereiro de 2020, a Anvisa aprovou o texto normativo sobre o registro sanitário de produtos de terapias avançadas, dando sequência às medidas que já vinham sendo tomadas pela agência para estimular os estudos com produtos de terapias avançadas no Brasil e ampliar o acesso dos pacientes brasileiros a terapias inovadoras.
Mas na prática, o que isso significa? O Brasil agora tem uma base regulatória para o desenvolvimento de produtos a partir de células e genes, os chamados produtos de terapias avançadas, que, segundo a própria Anvisa, “têm potencial para trazer grandes benefícios a pacientes que sofrem com enfermidades complexas e sem alternativas médicas disponíveis”.
Os produtos de terapias avançadas são definidos pela agência como “produtos de terapia celular avançada, produtos de engenharia tecidual e produtos de terapia gênica”, e incluem as células-tronco. Eles são classificados em Produto de Terapia Avançada classe I, que consiste naqueles submetidos a manipulação mínima e que desempenham no receptor uma função diferente da desempenhada no doador, e Produto de Terapia Avançada classe II, que consiste naqueles que são submetidos a manipulação extensa, produtos de engenharia tecidual e produtos de terapia gênica. As terapias com células-tronco se enquadram na classe II quando ocorre, por exemplo, o cultivo dessas células em meio de cultura antes da aplicação terapêutica.
O primeiro caso de tratamento com terapia celular no Brasil, pioneiro em toda a América Latina, ocorreu em setembro do ano passado, em um ensaio clínico realizado no Centro de Terapia Celular (CTC) da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. O paciente de 64 anos apresentava um tipo de câncer agressivo no sangue, chamado linfoma difuso de grandes células B, e estava em estado terminal. Ele já havia sido submetido, sem sucesso, a vários tipos de quimioterapia por dois anos e foi atendido na modalidade de tratamento compassivo, que permite uso de terapias ainda não aprovadas no país em casos graves, sem outra opção disponível. O tratamento recebido foi a infusão de células CAR-T (relembre neste post como funciona este tipo de terapia celular) e menos de 20 dias após ser submetido ao tratamento feito a partir de suas próprias células, o paciente já apresentava remissão da doença. Ele recebeu alta, mas pouco tempo depois morreu em um acidente doméstico e não foi possível dar continuidade ao acompanhamento de seu estado pós-tratamento.
Com a nova norma da Anvisa, a realização deste tipo de tratamento será facilitada, mesmo fora de um contexto de estudo clínico. Em entrevista ao Portal R7, o gerente de Sangue, Tecidos, Células e Órgãos (GSTCO) da Anvisa, João Batista da Silva Júnior, afirmou que se um paciente tiver esgotado suas alternativas terapêuticas, poderá pedir a autorização na Anvisa para receber terapias celulares avançadas. No caso da terapia gênica, por exemplo, a agência passa a ter 30 dias para liberar o procedimento e, caso não conclua a avaliação nesse prazo, o médico está automaticamente autorizado a prosseguir com o tratamento. Os pacientes serão acompanhados de perto pela agência durante 5 anos e a revalidação dos processos dependerá da eficácia do tratamento nessas pessoas.
A flexibilização dos processos de liberação da Anvisa foi inspirada nas normas dos Estados Unidos, países da Europa e Japão e é uma ideia audaciosa, mas que agrada muito a comunidade científica, estimulando o investimento de esforços e recursos em novas modalidades de tratamentos para diversos tipos de doenças graves.
Referências
Anvisa: Aprovada norma sobre produtos de terapias avançadas (18/02/2020)
Portal R7: Em decisão inédita, Anvisa libera terapias alternativas no Brasil (21/02/2020)
Portal G1: Anvisa aprova regras para liberação de terapias genéticas no Brasil (18/02/2020)
Portal UOL: Anvisa aprova regras para registro de terapias avançadas para tratar câncer (19/02/2020)