Produtos de terapia avançada aprovados – Parte 1 (Terapia Celular)

Produtos de terapia avançada aprovados – Parte 1 (Terapia Celular)

As terapias avançadas têm sido cada vez mais estudadas e aplicadas com o objetivo de tratar diversas doenças. Para garantir a qualidade dos produtos de terapia avançada são feitos muitos testes em modelos in vitro, modelos animais e ensaios clínicos e é realizado também um processo bastante rígido de avaliação pelos órgãos regulatórios para que esses produtos possam ser aprovados e comercializados. Nesse primeiro post falaremos sobre os produtos de terapia avançada já aprovados para comercialização como terapias celulares

 

A medicina regenerativa é uma área de pesquisa que tem por objetivo promover a regeneração de sistemas degenerados ou com falhas para restabelecer seu funcionamento normal. Nos últimos anos essa área tem crescido muito, uma vez que possui um grande potencial para o tratamento de inúmeras doenças. As terapias relacionadas à medicina regenerativa, que abrangem a terapia celular avançada, engenharia tecidual e a terapia gênica são denominadas terapias avançadas. Conforme os produtos de terapias avançadas vão progressivamente entrando na prática clínica em diferentes partes do mundo, há também o desenvolvimento de regulamentações que visam garantir sua qualidade. Assim, para que sejam aprovados, esses produtos precisam passar por criteriosos testes e ensaios clínicos e precisam ser aprovados pela agência regulatória do país em que estão sendo avaliados (saiba mais sobre isso aqui). Algumas dessas agências são: a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), no Brasil; a Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos; a European Medicines Agency (EMA), na Europa; e a Korea Disease Control and Prevention Agency (KDCA), na Coréia do Sul.

No Brasil, temos um grupo de profissionais com expertise em produtos de terapia avançada denominado Rede Nacional de Especialistas em Terapias Avançadas (RENETA), que tem como objetivo auxiliar a ANVISA na avaliação de dossiês de ensaios clínicos e de registro de produtos, bem como em processos de monitoramento pós mercado de produtos de terapia avançada. Além disso, a Rede também atua na capacitação de servidores da ANVISA, promovendo a transferência de conteúdos técnicos que permitirão o controle dos produtos de terapia avançada pela Agência. 

Se os órgãos reguladores determinarem que a qualidade, segurança e eficácia do produto estão suficientemente estabelecidas, a próxima etapa é solicitar a autorização de comercialização a esses órgãos. Depois disso, a empresa detentora da autorização de comercialização pode comercializar o produto nos países em que essa autorização tenha sido concedida. Em alguns casos, a autorização é provisória (autorização de comercialização condicional) – isso significa que a empresa ainda possui algumas obrigações com relação à agência regulatória. Essas obrigações podem incluir a conclusão de estudos em andamento, o início de novos estudos ou ainda a coleta de dados adicionais para confirmar que a relação risco-benefício do medicamento permanece positiva. Os cenários regulatórios na América, na Europa e Oceania e na Ásia já foram explorados em textos anteriores do Blog.

Todo esse rigor empregado na aprovação de um produto de terapia avançada é fundamental pois, atualmente, há muitos tratamentos não comprovados que acabam entrando no mercado e se tornando disponíveis para indivíduos esperançosos que buscam melhoria da saúde ou cura para uma variedade de doenças (leia mais sobre isso aqui e aqui). Duas ferramentas muito relevantes para evitar esse problema são: (I) um documento publicado pelo RENETA denominado Cenário de crescimento de terapias avançadas no Brasil e no mundo e (II) uma lista dos produtos de terapia avançada aprovados, que pode ser encontrada no site da Alliance for Regenerative Medicine. Nesse artigo vamos listar os produtos de terapia celular que já foram aprovados em diversos países:

1 – Hemacord/ALLOCORD/HPC Cord Blood (centro médico SSM Cardinal Glennon Children’s)

Células progenitoras hematopoiéticas alogênicas derivadas de sangue do cordão umbilical. Essa terapia consiste em um transplante de células progenitoras hematopoiéticas de doadores não relacionados, em conjunto com um regime preparatório apropriado, para reconstituição hematopoiética e imunológica e é indicada para uso em pacientes com doenças que afetam o sistema hematopoiético (responsável pela produção de sangue). Essas doenças podem ser herdadas, adquiridas ou resultar de tratamento mieloablativo. Até o momento, é o único produto de células-tronco aprovado pelo FDA, nos Estados Unidos. Essa aprovação aconteceu em 2011, e houve uma mudança de nome para HPC Cord Blood em 2013. O produto HPC Cord Blood do instituto de pesquisa Bloodworks e o produto CLEVECORD, do centro de pesquisa Cleveland Cord Blood foram aprovados nos Estados Unidos em 2016 e o produto HPC Cord Blood, do instituto de pesquisa MD Anderson Cord Blood Bank foi aprovado nos Estados Unidos em 2018.

2 – Queencell (empresa Anterogen)

Células-tronco mesenquimais derivadas de tecido adiposo autólogo utilizadas para o tratamento de doenças do tecido conjuntivo. Aprovado na Coreia do Sul em 2010.

3 – Cupistem (empresa Anterogen)

Células-tronco mesenquimais derivadas de tecido adiposo autólogo utilizadas para tratamento da doença de Crohn. Promovem redução da inflamação, regeneração de tecidos articulares danificados e são indicadas para o tratamento da fístula de Crohn. Aprovado para comercialização na Coreia do Sul em 2012.

4 – KeraHeal (empresa Biosolutions)

Produto do tipo spray à base de queratinócitos autólogos para o tratamento de queimaduras de segundo grau. Aprovado na Coreia do Sul em 2006.

5 – KeraHeal-Allo (empresa Biosolutions)

Produto do tipo hidrogel à base de queratinócitos alogênicos para o tratamento de queimaduras de segundo grau. Aprovado na Coreia do Sul em 2015.

6 – Holoclar (empresa Chiesi Farmaceutici)

Terapia celular baseada em culturas autólogas de células-tronco límbicas (retiradas da borda da córnea). Substitui as células danificadas na superfície (epitélio) da córnea, a camada transparente na frente do olho que cobre a íris, permitindo a recuperação da acuidade visual. É uma terapia indicada para o tratamento de deficiência moderada a grave de células-tronco límbicas devido a queimaduras oculares. Recebeu uma autorização de comercialização condicional em fevereiro de 2015 na Europa.

7 – Neuronata-r (empresa Corestem)

Terapia com células-tronco mesenquimais da medula óssea autóloga aprovada na Coreia do Sul em 2014 para o tratamento de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Esse medicamento atua promovendo a sobrevivência de neurônios motores e a imunorregulação. 

8 – Cellgram-AMI (empresa FCB Pharmicell)

Injeção autóloga intracoronária de células-tronco mesenquimais derivadas da medula óssea para o tratamento de infarto agudo do miocárdio. Sua principal implicação é a melhora na fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Foi aprovado para comercialização na Coreia do Sul em 2011.

9 – LaViv (Azficel-T) (empresa Fibrocell Technologies) 

Terapia celular autóloga utilizada para melhora da aparência de rugas nasolabiais moderadas a graves em adultos. Essa terapia é baseada em fibroblastos, que são as células responsáveis pela produção de colágeno. Foi aprovada nos Estados Unidos em 2011.

10 – Prochymal (empresa Osiris Therapeutics) 

Células-tronco mesenquimais alogênicas, derivadas de medula óssea, indicadas para o tratamento doença do enxerto contra hospedeiro e epidermólise bolhosa. Aprovado no Canadá em 2012. Em 2013, a empresa Osiris Therapeutics vendeu seu medicamento e patentes para a empresa Mesoblast da Austrália e o medicamento foi renomeado Ryoncil. Já em 2015, a empresa JCR Pharmaceuticals Co. Ltd recebeu o direito exclusivo no Japão para utilização do medicamento, que passou a ser chamado TEMCELL. Paralelamente, um estudo piloto de Ryoncil em pacientes com COVID-19, assistidos por ventilador, que sofriam de Síndrome da insuficiência respiratória aguda, forneceu evidências suficientes para que o FDA aprovasse um ensaio clínico controlado por placebo de Fase 2/3 em 300 pacientes. As inscrições para esse ensaio foram iniciadas em 5 de maio de 2020. Ele está sendo supervisionado pelo Mount Sinai Hospital e pela Cardiothoracic Clinical Trials Network e financiado pelo National Institutes of Health.

11 – Cartistem (empresa Medipost)

Células-tronco mesenquimais alogênicas, derivadas do sangue do cordão umbilical, indicadas para o tratamento de defeitos da cartilagem do joelho que podem ser causadas por lesões traumáticas, artrite degenerativa e artrite reumatóide. Aprovado para comercialização na Coreia do Sul em 2012.

12 – Stemirac (empresa Nipro Corp)

Produto que consiste em células-tronco mesenquimais autólogas derivadas da medula óssea humana para tratamento de lesão na medula espinal. Essas células são retiradas do próprio paciente, cultivadas e proliferadas in vitro e, em seguida, criopreservadas. Posteriormente, essas células são administradas, 40 dias após a lesão, por meio de infusão intravenosa. O objetivo é melhorar os sintomas neurológicos e distúrbios funcionais associados à lesão da medula espinal. Aprovado condicionalmente no Japão em 2018.

13 – CureSkin (empresa S. Biomedics)

Injeção intradérmica de fibroblastos autólogos para tratamento de cicatrizes profundas de acne. Aprovada na Coréia do Sul em 2010 

14 – Stempeucel (empresa Stempeutics Research/Cipla)

Células-tronco mesenquimais alogênicas derivadas de medula óssea utilizadas para o tratamento de isquemia crítica de membros (a qual pode ser causada devido à doença de Buerger ou à doença arterial periférica aterosclerótica). A isquemia crítica de membros é uma forma progressiva de doença arterial periférica causada por um bloqueio grave nas artérias, o qual reduz o fluxo sanguíneo. Isso pode resultar no desenvolvimento de feridas nas pernas e pés, com alto risco de amputação de membros. A terapia celular é projetada para aumentar a capacidade limitada do corpo de restaurar o fluxo sanguíneo no tecido isquêmico, reduzindo a inflamação, estimulando o crescimento de vasos sanguíneos colaterais e reparando o músculo danificado, reduzindo assim a dor, curando as úlceras e salvando o membro afetado. O medicamento é administrado por meio de injeções intramusculares ao redor da região muscular da panturrilha e ao redor do local das úlceras. Foi aprovado na Índia em 2020.

15 – Rosmir (empresa Tego Sciences) 

Fibroblastos autólogos injetáveis utilizados para o tratamento de rugas sob os olhos. Melhora o sulco nasojugal (também conhecido como calha lacrimal). O processo de fabricação leva de 3 a 6 semanas, começando com fibroblastos cultivados a partir de uma pequena biópsia de pele do paciente. É provável que essa terapia funcione para melhorar as rugas por meio da secreção de proteínas estruturais e citocinas, que acabam estimulando a proliferação de células dérmicas. Aprovada na Coréia do Sul em 2018.

16 – Alofisel (empresa Tigenix)

Células-tronco alogênicas, derivadas de tecido adiposo, usadas para tratar fístulas perianais complexas em pacientes com doença de Crohn. Recebeu autorização de comercialização na Europa em 2018.

Essa lista é constantemente atualizada e pode ajudar os pacientes a tomar decisões informadas antes de receber um tratamento celular, para que possam evitar a exposição a intervenções não comprovadas e não licenciadas. No próximo post falaremos sobre os produtos de terapia avançada aprovados para engenharia tecidual.

Referências

Lista de produtos de terapia avançada no site Alliance for Regenerative Medicine: https://alliancerm.org/available-products/ 

Documento do RENETA – Cenário de crescimento de terapias avançadas no Brasil e no mundo – https://bef226c9-51c9-4f4d-b45d-485faa781332.filesusr.com/ugd/92716b_1460bdc1e1da4d56813cb91f27c853d9.pdf 

Medicina Regenerativa 2020: de onde viemos, onde estamos e para onde vamos (20/02/2020): https://www.blogs.unicamp.br/femurdistal/2020/02/20/medicina-regenerativa-2020-de-onde-viemos-onde-estamos-e-para-onde-vamos/ 

Cuende N., et al. Cell, tissue and gene products with marketing authorization in 2018 worldwide. Cytotherapy 20(11):1401-1413 (2018)  


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