Diversas doenças possuem origem genética, ou seja, são causadas por modificações nos genes, e grande parte dessas doenças ainda não possuem tratamento. Sabendo desse fato, muitos pesquisadores vêm trabalhando há muito tempo no estudo e desenvolvimento de produtos de terapia gênica – um tipo de tratamento que consiste na modificação, substituição ou adição de algum gene de interesse. Atualmente já existem produtos de terapia gênica aprovados para comercialização em muitos países do mundo, incluindo o Brasil. Nesse post falaremos mais detalhes sobre esses medicamentos
Os genes são pedaços de DNA que contém informações que, ao serem “lidas”, guiam a produção de proteínas. Essas proteínas desempenham muitas funções em nosso organismo, como: estruturação de células e tecidos, aceleração de reações químicas, transporte de substâncias, comunicação celular, entre outras. Assim, caso os genes sofram alguma mutação, as proteínas podem ser alteradas e o indivíduo pode apresentar diversos problemas de saúde. Com base nessas informações, os cientistas vêm trabalhando há muito tempo em formas de modificar genes ou substituir os genes defeituosos por saudáveis com objetivo de tratar, curar ou prevenir uma doença ou condição médica. Essa é a premissa da terapia gênica. A terapia gênica visa corrigir um problema genético em sua origem, por meio da adição de genes que estejam faltando, da desativação de genes que estejam causando problemas ou da substituição de um gene que causa um problema médico por outro que não causa, (leia mais sobre terapia gênica aqui e aqui).
Para inserir novos genes diretamente nas células, os cientistas usam um veículo chamado “vetor”, que é geneticamente modificado para entregar o gene. Um exemplo clássico de vetor são os vírus, pois eles possuem uma capacidade natural de entregar material genético às células. Mas para que esses vírus possam ser utilizados para transportar genes terapêuticos para as células humanas, primeiramente eles são modificados para remover sua capacidade de causar uma doença infecciosa.
A terapia gênica pode ser usada para modificar células dentro ou fora do corpo. Quando é feita dentro do indivíduo (in vivo), o médico injeta o vetor que carrega o gene diretamente na parte do corpo que tem células defeituosas. Já quando é feita fora do indivíduo (ex vivo), uma parte de um tecido específico do paciente é extraída, tipos específicos de células são isoladas em laboratório e recebem o vetor contendo o gene desejado. Essas células são multiplicadas no laboratório e, em seguida, injetadas de volta no paciente, onde continuam a se multiplicar e, eventualmente, produzem o efeito desejado (para saber mais sobre a relação entre terapia gênica e células-tronco, leia esse texto anterior do blog).
Nos últimos dois posts falamos sobre a aprovação de produtos de terapia avançada utilizados para terapia celular e para engenharia tecidual e nesse post vamos falar sobre os produtos de terapia gênica que já estão aprovados para comercialização:
1 – Imlygic (empresa Amgen)
Imlygic é uma forma enfraquecida do vírus Herpes Simplex Tipo 1, comumente chamado de vírus da afta, indicado para o tratamento local de lesões cutâneas, subcutâneas e nodais irressecáveis em pacientes com melanoma. Ele é injetado diretamente no tumor e se multiplica dentro das células tumorais, destruindo-as. Aprovado pela agência regulatória europeia, a European Medicines Agency (EMA) em dezembro de 2015, pela agência regulatória dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA) em outubro de 2015 e pela agência regulatória da Austrália, a Therapeutic Goods Administration (TGA) em junho de 2016.
2 – Collategene (empresa Anges)
Injeção intramuscular de plasmídeo (pequena molécula de DNA circular) que codifica o Fator de Crescimento de Hepatócitos (HGF) – substância que promove o crescimento de vasos sanguíneos. Essa terapia é utilizada para o tratamento de isquemia crítica de membros e foi aprovada no Japão em fevereiro de 2019.
3 – Zolgensma (empresa Novartis Gene Therapies)
Zolgensma é uma terapia gênica baseada em vetores de vírus adeno-associados. Foi aprovada pelo FDA, em maio de 2019, para o tratamento de pacientes pediátricos, com menos de 2 anos de idade, com atrofia muscular espinhal (SMA), incluindo aqueles que são pré-sintomáticos no momento do diagnóstico. Os indivíduos afetados por essa doença apresentam mutações nos genes que codificam uma proteína importante para a estrutura de neurônios motores inferiores da medula espinhal. O medicamento entrega o gene saudável aos neurônios motores e estes passam a produzir a proteína funcional. A terapia também foi aprovada em março de 2020 no Japão, em maio de 2020, para certas formas de SMA, pela Comissão Europeia e em dezembro de 2020 no Canadá.
4 – Zynteglo (empresa Bluebird Bio)
Terapia gênica ex-vivo baseada em lentivírus para tratamento de uma doença sanguínea denominada beta-talassemia. Essa doença é causada por mutações ou deleções do gene HBB, levando à síntese reduzida ou ausente das cadeias beta da hemoglobina, resultando em desfechos variáveis, desde anemia grave até indivíduos clinicamente assintomáticos. A terapia é usada para fornecer uma cópia funcional do gene beta-globina para as células-tronco hematopoéticas (produtoras de sangue) extraídas do paciente. Essas células-tronco modificadas são, então, reintroduzidas no paciente. Aprovada pela EMA em maio de 2019.
5 – Libmeldy (empresa Orchard Therapeutics)
Terapia gênica baseada em vetor lentiviral para o tratamento da leucodistrofia metacromática (DLM). A DLM é uma doença hereditária rara em que há uma mutação em um gene necessário para produzir uma enzima chamada arilsulfatase-A (ARSA), a qual decompõe substâncias chamadas sulfatídeos. Como resultado, os sulfatídeos se acumulam e danificam o sistema nervoso e outros órgãos, causando sintomas como dificuldades de locomoção, deterioração mental gradual e eventual morte. O Libmeldy entrega o gene funcional para células-tronco hematopoiéticas extraídas da medula óssea ou sangue periférico do paciente. Essas células geneticamente modificadas passam a produzir e secretar a enzima ARSA funcional e são injetadas de volta no paciente. A terapia foi aprovada pela Comissão Europeia em dezembro de 2020.
6 – Strimvelis (empresa GSK)
O Strimvelis é um medicamento utilizado no tratamento da imunodeficiência combinada grave por deficiência de adenosina desaminase (ADA-SCID). A ADA-SCID é uma doença hereditária rara em que ocorre uma mutação no gene necessário para produzir uma enzima chamada adenosina desaminase (ADA). Como resultado, os doentes têm falta dessa enzima. Uma vez que a ADA é fundamental para a manutenção de linfócitos saudáveis, o sistema imunitário dos doentes com ADA-SCID não funciona corretamente e, sem tratamento eficaz, raramente sobrevivem mais de 2 anos. O Strimvelis é utilizado em pacientes que não possam receber um transplante de medula óssea por não possuírem um doador familiar compatível. O Strimvelis contém células-tronco hematopoiéticas da medula óssea do próprio paciente modificadas geneticamente, por meio de vetor retroviral, de forma a conterem um gene funcional para a produção de ADA. Após a modificação, essas células são reintroduzidas no paciente. Foi aprovada pela EMA em maio de 2016.
7 – Gendicine (empresa Shenzhen Sibiono Genetech)
O medicamento consiste de um adenovírus recombinante projetado para tratar pacientes com tumores que possuem genes p53 mutados. Ele entra nas células tumorais por meio de endocitose mediada por receptor e começa a superexpressar os genes que codificam a proteína p53 necessária para combater o tumor. Gendicine é o primeiro produto de terapia gênica aprovado para uso clínico em humanos – aprovado na China em 2003.
8 – Luxturna (empresa Spark Therapeutics)
Luxturna é utilizado para o tratamento de adultos e crianças com perda de visão devido à distrofia hereditária da retina causada por mutações no gene RPE65. Essas mutações impedem o organismo de produzir uma proteína necessária para a visão, podendo levar à cegueira. O medicamento consiste em vetor viral adeno-associado contendo uma cópia funcional do gene RPE65. Após a injeção, este gene é entregue nas células da retina, a camada na parte de trás do olho, que detecta a luz. Isso permite que a retina produza as proteínas necessárias para a visão. Foi aprovado pelo FDA em dezembro de 2017, pela EMA em novembro de 2018 e aprovado no Canadá em outubro de 2020.
De acordo com o documento publicado pela Rede Nacional de Especialistas em Terapias Avançadas (RENETA), que fala sobre os produtos de terapia avançada no Brasil e no mundo, existem atualmente 2 produtos de terapia gênica aprovados para comercialização no Brasil: Luxturna e Zolgensma. Há também um produto de terapia avançada com registro aprovado no exterior realizando ensaio clínico de fase III no Brasil: o Kymriah. E nesse documento também são indicados seis produtos de terapia avançada com alta probabilidade de solicitação de registro no Brasil a curto prazo: Imlygic, Kymriah, Strimvelis (OTL-101), Yescarta e Zynteglo (Lentiglobin BB305). Kymriah e Yescarta são produtos de imunoterapia à base de células. No próximo post, que será o último dessa série sobre produtos de terapia avançada aprovados, falaremos com mais detalhes sobre esse tipo de medicamento.
Referências
Lista de produtos de terapia avançada no site Alliance for Regenerative Medicine: https://alliancerm.org/available-products/
Documento do RENETA – Cenário de crescimento de terapias avançadas no Brasil e no mundo – https://bef226c9-51c9-4f4d-b45d-485faa781332.filesusr.com/ugd/92716b_1460bdc1e1da4d56813cb91f27c853d9.pdf