No primeiro post da série sobre terapia gênica, explicamos o que é terapia gênica, por que ela é importante e quais são as terapias gênicas já aprovadas no mundo.
Um único gene mutado é o suficiente para causar síndromes extremamente graves. Basta um único gene disfuncional para causar certos tipos de autismo, acarretar degeneração muscular e nervosa, impedir a circulação normal do sangue, ou comprometer o sistema imune inteiro. Evidentemente, existe muito interesse em terapias que corrijam diretamente o gene problemático, proporcionando assim uma cura definitiva para muitas doenças atualmente incuráveis. Isso é o que é a terapia gênica clássica: introdução de genes intactos em células ou tecidos a fim de corrigir esses genes disfuncionais. Recentemente, células têm sido modificadas também para outros propósitos. Um uso importante da terapia gênica atual é no “treinamento” de células do sistema imune contra o câncer. Uma célula imune chamada de linfócito T pode ser modificada para identificar e atacar agressivamente células tumorais. São as chamadas células CAR-T.
Abaixo nós listamos as quatro terapias gênicas já aprovadas no Ocidente (a China alega ter desenvolvido a primeira terapia gênica comercial da história, mas essa afirmação é controversa*). Todas as terapias aprovadas envolvem o uso de vetores virais para efetuar a modificação genética das células dos pacientes. Essas terapias se aproveitam da capacidade dos vírus de invadir nossas células e injetar nelas seu material genético. Ou seja, em vez de causar doenças, esses vírus modificados nos ajudam a curá-las.
Glybera (alipogene tiparvovec)
Empresa: uniQure
Aprovação: 2012, Europa
Trata : deficiência de lipoproteína lipase (LPL), uma doença genética que afeta a digestão de gorduras e leva à inflamação recorrente do pâncreas, diabetes e complicações cardiovasculares. A doença é muito rara, acometendo de 1 a 2 pessoas por milhão.
Como funciona: é um tratamento único envolvendo múltiplas injeções nos músculos das pernas e braços. As injeções contêm vetores virais que entregam uma cópia correta do gene LPL para as células musculares do paciente – que passam a ser capazes de digerir gorduras apropriadamente.
Custa: US$ 1 milhão (em 2015). A primeira terapia gênica a ser aprovada no Ocidente foi também a medicação mais cara da história. Devido ao preço e à raridade da doença, apenas um paciente foi tratado com a terapia, levando a uniQure a retirar a terapia do mercado em outubro deste ano.
Strimvelis
Empresa: GlaxoSmithKline
Aprovação: 2016, Europa
Trata: imunodeficiência combinada grave devido à deficiência de adenosina deaminase (ADA-SCID, na sigla em inglês), conhecida popularmente como a doença do “menino da bolha”. Pacientes com a doença carecem de resposta imune a virtualmente qualquer infecção, de forma que os casos mais severos são fatais nos primeiros meses de vida. A doença é muito rara, com uma incidência estimada de um em cada 200 mil a 1 milhão de nascidos.
Como funciona: A modificação genética ocorre ex vivo, ou seja, fora do paciente. Para isso, uma amostra da medula óssea do paciente é coletada e as células CD34+ (precursoras de linfócitos) são separadas. Em laboratório, essas células são geneticamente modificadas com um vetor viral que carrega uma cópia funcional do gene ADA. Corrigidas, as células são reinjetadas no paciente e migram para a medula óssea, onde se dividem e se diferenciam em linfócitos funcionais.
Custa: US$648,000
Kymriah (tisagenlecleucel)
Empresa: Novartis
Aprovação: 2017, Estados Unidos.
Trata: Leucemia Linfoide Aguda (LLA) do tipo B, uma forma de leucemia juvenil.
Como funciona: Uma amostra de sangue do paciente é coletada a fim de se obter um tipo de célula imune chamada de linfócito T. Os linfócitos são então transportados para um laboratório da empresa em Nova Jersey, EUA. Lá, vetores virais são usados para modificar geneticamente os linfócitos do paciente, de modo que eles passem a expressar um receptor celular chamado de receptor quimérico de antígeno (CAR, na sigla em inglês). Esse receptor faz com que a os linfócitos T passem a identificar e atacar as células do tumor que exibem um antígeno específico. Com essa terapia, o sistema imune do paciente é “ativado” contra o tumor, e pode lutar contra ele com mais potência.
Custa: US$475,000 (mas a Novartis não irá cobrar de pacientes que não responderem à terapia).
Yescarta (axicabtagene ciloleucel)
Empresa: Kite Pharma (Gilead)
Aprovação: 2017, Estados Unidos.
Trata: Certos tipos de linfoma não-Hodgkin em adultos
Como funciona: Assim como Kymriah, Yescarta envolve o uso de linfócitos T geneticamente modificados ex vivo para expressar um CAR que ataca células tumorais.
Custa: US$373,000
No próximo post da série, os pioneiros da terapia gênica no Brasil contam os desafios – e as vitórias – das pesquisas em terapia gênica conduzidas no país.
Fontes:
❏ (*) Krimsky S. China’s Gene Therapy Drug. Gene Watch, Vol. 18, No. 06
❏ EMA. Glybera – European public assessment report summary for the public
❏ MIT Technology Review. The World’s Most Expensive Medicine Is a Bust. 04/05/16.
❏ NIH. Genetics Home Reference. Adenosine deaminase deficiency.
❏ EMA. Strimvelis – European public assessment report summary for the public
❏ MIT Technology Review. A Year After Approval, Gene-Therapy Cure Gets Its First Customer. 03/05/17.
❏ FDA News Release. FDA approval brings first gene therapy to the United States. 30/08/2017
❏ MIT Technology Review. FDA Approves Groundbreaking Gene Therapy for Cancer. 30/08/2017
❏ FDA News Release. FDA approves CAR-T cell therapy to treat adults with certain types of large B-cell lymphoma. 18/10/2017